Revista Estrutura - edição 5 - page 5

05
PALAVRA DO PRESIDENTE
| JEFFERSON DIAS DE SOUZA JUNIOR
E
ssa minissérie da Globo me trouxe à
mente flashes de uma tragédia acon-
tecida há mais de 50 anos.
Fico pensando se não foi realmen-
te o principal motivo que me fez tomar a
decisão de seguir a profissão que escolhi
e que hoje exerço: engenheiro estrutural,
projetista de estruturas, calculista (a no-
menclatura pouco importa...).
Numa sexta-feira, dia 6 de novembro de
1964, acompanhei atônito o desabamento
do Edifício Comurba, fato que marcou de
maneira indelével a então promissora ci-
dade onde nasci, Piracicaba, no interior do
estado de São Paulo.
O empreendimento começou a ser cons-
truído em 1950 na Praça José Bonifácio,
centro da cidade, e, em 1964, desmoronou
na fase de acabamento. Tinha 22 mil m
2
, 83
m de comprimento divididos ao meio por
uma junta de dilatação e 15 andares que
abrigariam escritórios, lojas, apartamentos
e um cinema.
No acidente, considerado a primeira
grande tragédia da engenharia brasileira,
morreram aproximadamente 50 pessoas
(não se tem o número exato até hoje), entre
elas famílias inteiras.
A retirada de sobreviventes soterrados
foi uma agonia de vários dias, dada a falta
de recursos tecnológicos da época. Para
mim, não eram números, eram amigos, fa-
miliares ou no mínimo conterrâneos. Numa
cidade do interior na década de 60, era
como se fôssemos uma grande família e eu
havia visitado o luxuosíssimo Cine Plaza há
poucos dias do acidente.
Durante mais de uma década os apar-
tamentos e conjuntos comerciais tiveram
grande desvalorização e baixa taxa de
ocupação. A grande quantidade de poeira
levantada ainda não foi levada pelo vento, a
praça que hoje ocupa o local apenas tenta,
mas não preenche e nem apaga a tragédia
TREZE DIAS
LONGE DO SOL
da qual me considero quase um sobrevi-
vente.
Infelizmente, hoje, passados mais de 50
anos desta grande tragédia, me vejo ainda
diante de acidentes que ceifam vidas e me
faz repensar o verdadeiro propósito da nos-
sa engenharia.
Sinônimo de desenvolvimento e progres-
so, é ela que alavanca o crescimento econô-
mico deste grandioso país. Mas o que está
faltando para que exerça realmente o seu
papel?
Quais são as verdadeiras causas dos aci-
dentes que continuam ocorrendo com o
passar do tempo:
• Erro de cálculo
• Profissionais malformados
• Aviltamento do valor dos projetos
• Baixo índice e nível de gerenciamento
de projetos
• Economia na aquisição de materiais
• Fornecedores sem a qualificação ne-
cessária
• Falta de profissionais gabaritados
acompanhando a obra
• Falta de manutenção
Com tantos problemas, precisamos rever
muitas das ações que permeiam o setor da
construção civil. Para que isso aconteça te-
mos que nos unir em torno de políticas que
contemplem uma visão macro, agregando
empresas de projetos, construtoras, incor-
poradoras e órgãos públicos.
Nosso papel de profissionais atuantes no
setor da construção civil não seria, no mo-
mento, o de alertar a sociedade, as constru-
toras e os governantes sobre a importância
de políticas permanentes de manutenção
(preventiva e corretiva) dos equipamentos
públicos, de edificações, pontes e viadutos,
rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, en-
tre outros??
Fazer todos enxergarem que edificações
têm vida útil e precisam de investimento
para manutenção e para evitar acidentes,
que seria o momento de utilizar todo nosso
conhecimento técnico sobre segurança em
edificações que temos acumulado nos últi-
mos anos em prol da prevenção de riscos
aos usuários finais??
A ABECE vem constantemente alertan-
do sobre o problema de viadutos, pontes e
marquises e até mesmo das sacadas de edi-
fícios que estão em péssimas condições. E,
nem por isso é feito qualquer acompanha-
mento ou manutenção dessas estruturas...
Como fazer cumprir tudo o que é espe-
cificado no projeto para assegurar a vida
útil projetada e garantir a funcionalidade e
segurança da obra? O caminho não seria
incorporar a prática da manutenção, abran-
gendo inspeções e programas de interven-
ção antes que os problemas se agravem?
A prevenção é o modelo mais eficaz e
econômico a ser adotado. Sua ausência
gera prejuízos materiais, financeiros e, por
vezes, à segurança de todos.
Manutenção preventiva é uma bandeira
que precisamos levantar e levar por todo
território nacional.
1,2,3,4 6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,...68
Powered by FlippingBook