REVISTA ESTRUTURA
| ABRIL • 2018
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MEMÓRIAS
| AS LIÇÕES DO MESTRE VASCONCELOS
precisou renovar as pontes des-
truídas pela guerra.
De fato, como tecnologia de concreto,
foi o aparecimento da protensão que
permitiu aos arquitetos, em conjunto
com engenheiros de estruturas, proje-
tarem vãos de grande amplitude, onde
a apropriação estrutural como lingua-
gem arquitetônica é evidente. Artigas no
projeto da FAU-USP e Lina Bo Bardi no
projeto do MASP, trabalhando com o en-
genheiro Figueiredo Ferraz, e Niemeyer
no projeto do MAC, trabalhando com o
engenheiro Bruno Contarini, por exem-
plo, são apenas algumas das inúmeras
parcerias a serem registradas.
Uma outra questão a ser colocada so-
bre a relação entre engenharia e arquite-
tura, é o sistema de ensino nas universi-
dades. O ensino de estruturas nos cursos
de arquitetura é uma questão em perma-
nente discussão e Vasconcelos tem um
testemunho a nos dar:
Na politécnica não existia curso de
arquitetura. Existia o engenheiro
arquiteto, o engenheiro civil, o en-
genheiro mecânico, o engenheiro
elétrico, eletrotécnico, mas não
existia arquitetura. Quando fun-
daram a faculdade de arquitetura
desapareceu o curso dos enge-
nheiros arquitetos na politécnica.
Ficou só arquitetura mesmo. A
FAU surgiu depois de 1950. Não
me lembro exatamente a data.
Isso fez muita diferença. Até as
ideias dos alunos, dos profes-
sores, eram outras. Os próprios
alunos eram ensinados de forma
diferente. Eles até criticavam que
o Telêmaco
11
tinha sido convidado
para dar a cadeira de resistência
dos materiais. Eu fui assistente do
Telêmaco na arquitetura também.
Durante todo o tempo que dei au-
las para a Poli dei para a arquitetu-
ra também. Na Poli eu entrei como
professor de cálculo diferencial
e integral, cálculo vetorial, no se-
tor de matemática. Depois de três
anos eu passei para resistência dos
materiais, e quando estava dando
resistência dos materiais me convi-
daram pra fazer a mesma coisa na
11 Telêmaco van Langendonck, professor da fa-
culdade de engenharia da Escola Politécnica
da USP.
FAU. Então eu fiquei na FAU e na
politécnica simultaneamente.
Atualmente, em revisões curriculares
e congressos, é muito discutida a abor-
dagem do ensino de estruturas para os
cursos de arquitetura, uma vez que se
trata de área de conhecimento da en-
genharia que está em permanente in-
terface com a arquitetura. Discute-se a
pertinência de uma abordagem diferen-
ciada, procurando-se entender o que é
realmente necessário ser ensinado, uma
vez que arquitetos e engenheiros tra-
balharão em conjunto, cada um na sua
área de conhecimento. Nesta atuação,
porém, precisarão dialogar, implicando
aí o conhecimento de arquitetura pe-
los engenheiros e de estrutura pelos
arquitetos, o que traz para o âmbito do
ensino o desafio de promover essa com-
preensão. Apesar de ser uma questão
ainda sem respostas, Vasconcelos tem
sua colaboração a nos dar:
Olha, o pessoal se queixava que o
Telêmaco dava aulas iguais. Eu dava
diferente, procurando focar os alu-
nos nas coisas que eles realmente
usavam. Tirando aquelas cascas,
tirando pórticos, que eram estru-
turas mais complicadas, eu dava
aquilo que os alunos iam realmente
precisar. Mas o Telêmaco, ele dava
o mesmo curso e o pessoal critica-
va muito viu? Mas os exercícios que
eu dava eram todos focados para a
área de arquitetura.
Eu tenho sempre discutido com
os arquitetos assim: vocês preci-
sam intuir como é que a estrutu-
ra está funcionando para projetar
coisas que tenham sentido. Se
vocês imaginam que isso é função
do engenheiro vocês estão proje-
tando coisas que não servem para
o engenheiro. Em vez de projetar
uma coisa que tem já um sentido
estrutural bem definido e pré-con-
cebido vocês estão projetando
para o engenheiro pensar qual a
estrutura que suportará isso. Não
é o caminho certo. O certo seria a
pessoa ter uma noção de como é
que aquelas cargas vêm lá de cima,
caminham pela estrutura toda e
chegam até as fundações. Se você
escolher o caminho correto, tudo
vai funcionar brandamente, nor-
malmente, facilmente, sem ques-
tões difíceis de se conceber. Então
se você já traça o caminho que as
forças vão seguir, já é meio cami-
nho andado. Isso facilita muito.
Vasconcelos também conviveu com
Roberto Zuccolo, engenheiro e professor
de todos os arquitetos modernos saídos
da Universidade Mackenzie, entre eles
Paulo Mendes da Rocha, e nos conta:
O Zuccolo dava aula no Macken-
zie. Ele dava aula para o curso de
arquitetura e morava na mesma
pensão que eu. Nós tínhamos mui-
to contato porque a gente estava
sempre junto na pensão na hora
do almoço e tudo. A gente conver-
sava muito.
Ele foi o primeiro a realizar proten-
são aqui no Brasil, sendo repre-
sentante da patente do Freyssinet,
pela STUP, Serviços Tecnológicos
de Utilização de Protendidos, e ele
representou então o contato dos
franceses com os brasileiros na
difusão da patente Freyssinet. E
todas as obras que ele fazia eram
com a STUP.
Sobre o que seria a maior virtude de
um engenheiro estrutural Vasconcelos
nos diz:
A maior virtude é ele saber transfor-
mar a ideia do arquiteto emalgo que
seja estruturalmente vantajoso.
E sobre o que teria sido seu projeto
mais difícil:
A obra mais difícil que eu calculei
foi o “cirquinho”, para o campus da
Politécnica da USP. Quando a USP
foi para aquele terreno eu fiz vários
projetos ali, mas o cirquinho foi o
mais difícil. O cirquinho é um anfi-
teatro que tem um pilar no centro
e tem 42 metros de diâmetro, com
um balanço grande, que tinha de
ser obtido por vigas que saíssem do
centro do pilar e fizessem uma cur-
va. Então essas vigas, para funcio-
narem, tinham de ter um anel em
cima que apertassem essas vigas e
não deixassem essas vigas caírem.