Revista Estrutura - edição 1 - page 8

REVISTA ESTRUTURA
| JULHO • 2016
08
ENTREVISTA
| CARLOS PINTO DEL MAR
como visto, são longos pela própria na-
tureza dos sistemas construtivos. Nessa
linha, seria importante também desen-
volver estatísticas (que faltam ao setor),
para calcular o número e probabilidade
de tais ou quais vícios construtivos virem
a surgir depois de “x” ou “y” anos da con-
clusão da edificação, para evitar que se
eternize a responsabilidade dos agentes
da construção, numa presunção de cul-
pa por acidentes remotos, fora da previ-
sibilidade humana.
ABECE –
As normas técnicas têm força
obrigatória? Qual sua avaliação sobre
o processo de elaboração de Normas
Técnicas? Qual o ponto que necessita
ser debatido?
Carlos Pinto Del Mar –
Embora não
sejam leis (que são obrigatórias pela sua
própria natureza), as normas técnicas
ganham força obrigatória por força de
leis que determinam o seu cumprimen-
to. A principal delas é o Código de Defesa
do Consumidor, que veda a colocação,
no mercado de consumo, de produtos
em desacordo com as normas técnicas.
Outro exemplo é a lei de acessibilidade,
que determina o cumprimento de nor-
mas técnicas que só foram elaboradas
posteriormente à sua promulgação, e
que ganharam força obrigatória por for-
ça da lei. E há inúmeros outros exemplos
de leis com disposições semelhantes.
Além da força obrigatória que lhes dão
as leis, as normas técnicas prescrevem
boas técnicas e, por isso, devem ser
atendidas pelos engenheiros e arquite-
tos como um dever ético-profissional.
Importante dizer que o descumprimen-
to dos requisitos mínimos nelas esta-
belecidos pode sujeitar o fornecedor
a indenização, pelo custo necessário a
deixar a obra de acordo com as normas
técnicas. Caso envolva requisitos de se-
gurança, o descumprimento das normas
técnicas pode até implicar a responsabi-
lidade criminal de quem a descumpriu.
Sobre o processo de elaboração, penso
que a importância que as normas técni-
cas ganharam com o passar do tempo,
torna imperativo que se revise o proces-
so de sua elaboração, seja para assegu-
rar a participação daqueles que serão
afetados pela sua edição, seja para ficar
à altura das consequências do descum-
primento. Isso implica alterar os pro-
cedimentos atualmente adotados pela
ABNT, que, nessa tarefa, exerce uma
função delegada do poder público.
ABECE –
Que outros aspectos devem
ser analisados no campo da responsa-
bilidade dos profissionais da engenha-
ria e da arquitetura?
Carlos Pinto Del Mar –
Há outra ques-
tão que preocupa e deve ser debatida
pela sociedade técnica. É que as edifica-
ções são bens duráveis e, pelas regras
do CDC, têm o mesmo tratamento dos
demais bens duráveis, como são os ele-
trodomésticos, automóveis, e outros
que não se esgotam com o consumo.
A questão é que o Superior Tribunal de
Justiça, em demandas envolvendo bens
duráveis nas relações de consumo, tem
adotado o critério da “vida útil do pro-
duto”, julgando que o fornecedor fica
vinculado à responsabilidade mesmo
depois de ultrapassada a garantia, até o
limite da vida útil, quando, então, deixam
de ser exigíveis daquele bem os requi-
sitos de funcionamento. Acontece que,
embora se reconheça que a “teoria da
vida útil do produto” tem perfeita aplica-
ção no tocante à maioria dos produtos
duráveis (televisores, automóveis, note-
books, etc.), ela apresenta distorções no
caso de produtos com vida úteis muito
longas, como é o caso da construção
civil, situação que deve ser ajustada
por disposições legais a serem criadas.
Enquanto isso não ocorre, há o risco
de que demandas envolvendo a cons-
trução civil sejam julgadas com base no
mesmo critério adotado para os demais
bens duráveis, gerando preocupação
para a atividade profissional da enge-
nharia e arquitetura, cujos profissionais
ficam expostos à responsabilidade por
um período extremamente longo, so-
bretudo se comparados com a expecta-
tiva de vida humana. Isso deve ser deba-
tido pelas entidades de representação
profissional, para ajustar à razoabilidade
o período de exposição dos agentes da
construção e dos profissionais, quer seja
por meios técnicos, quer seja por meios
legislativos, ambos a serem criados.
ABECE –
A seu ver, quais medidas se-
riam necessárias para aprimorar os
aspectos legais relacionados com a
construção civil?
Carlos Pinto Del Mar –
A construção
civil é um produto que tem característi-
cas próprias, que a diferenciam de outros
produtos industrializados. Não se pode
comparar uma edificação, a um liquidifi-
cador. O Código Civil já reconhece essa
diferença da construção civil em relação
a outros produtos, ao estabelecer um
prazo de garantia de cinco anos somente
para a construção. Nenhum outro pro-
duto tem prazo de garantia estabelecido
em lei. Porém, a diferenciação fica por aí,
sendo que, pelas suas caraterísticas, a
construção civil está a merecer um trata-
mento próprio, diferenciado, que ajuste
a responsabilidade dos seus agentes às
características do produto.
ABECE –
Como os profissionais do se-
tor da engenharia devem agir para não
incorrer em ilegalidades durante sua
atuação?
Carlos Pinto Del Mar –
A observância
das normas técnicas é uma das formas
de evitar problemas na esfera jurídica,
porque, para o Direito, o cumprimento
das normas técnicas é uma presunção de
regularidade do produto.
ABECE –
Em relação ao futuro, como
entende que ficará a questão da res-
ponsabilidade dos profissionais da
área de construção civil?
Carlos Pinto Del Mar –
Penso que as
entidades que representam os profissio-
nais da engenharia e arquitetura deve-
riam: (i) debater a questão da responsa-
bilidade profissional à luz das alterações
legislativas e normativas que ocorreram
nos últimos anos – entre as quais o Có-
digo de Defesa do Consumidor, o Código
Civil de 2002 e a NBR 15575; (ii) avaliar se
os prazos de exposição à responsabilida-
de a que estão sujeitos são condizentes,
ou se há algo a fazer no sentido de ajus-
tá-los à razoabilidade, por meio de medi-
das de natureza técnica, ou legislativas;
(iii) debater a questão do seguro, que
inexiste e seria inviável economicamente
para períodos muito longos – como são
os de vida útil dos sistemas construtivos;
(iv) organizar-se para reunir estatísti-
cas do setor, que, além de servirem de
base para a criação dos seguros, con-
tribuiriam para desvendar mitos acerca
da ocorrência de acidentes, para evitar,
como se disse, que se eternize a respon-
sabilidade dos agentes da construção,
numa presunção de culpa por acidentes
remotos, fora da previsibilidade humana.
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