Revista Estrutura - edição 1 - page 27

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res das caravelas antigas empilhavam
as bolas de canhões no tombadilho em
forma de pirâmide. Todo marujo de navio
sabe que essa solução é a melhor. Duro
é provar isso matematicamente. Eu estou
preparando um artigo sobre esse tema
para o jornal TQS News.
ABECE
– Como essas questões tem fun-
cionalidade hoje, na era da internet?
VASCONCELOS
Pois é, Hilbert (David
Hilbert, matemático alemão), no ano de
1900, em Paris, durante o congresso in-
ternacional de matemática, expôs 23
problemas matemáticos que ainda não
estavam resolvidos. Alguns dos pro-
blemas, mais simples, foram soluciona-
dos em pouco tempo como o terceiro e
quinto problemas. Ainda existem quatro
problemas em aberto, três parcialmente
solucionados e dois sem solução, os 10
restantes foram solucionados ao longo
destes anos. Existem outras conjectu-
ras famosas como as de Kepler (Johanes
Kepler), Poincaré (Henri Poincaré), Rie-
mann (Bernhard Riemann), Goldbach
(Christian Goldbach), que só possuem
interesse matemático, mas podem vir a
ter alguma utilidade. Muitas coisas que
se inventaram em matemática pura, que
não tinham aplicação nenhuma naquele
momento, mas que depois passaram a
ter. Por exemplo, a concepção dos nú-
meros complexos, que é a raiz quadrada
de um número negativo. Quando surgiu,
tal concepção era pura matemática. Nin-
guém pensou que tivesse alguma aplica-
ção, pois era pura idealização. Hoje já se
sabe que existem milhares de aplicações
úteis em outros campos. Eles permitiram,
por exemplo, resolver problemas que an-
tes não tinham solução. Então tem muita
coisa curiosa para ser feita.
ABECE
Assim como na Engenharia,
professor, onde existem diversas possi-
bilidades de materiais e aplicabilidade?
VASCONCELOS
Exatamente. Na área
de estruturas de madeira tem algumas
coisas novas. Gostaria de citar um en-
genheiro, Décio Gonçalves, que acabou
de defender uma tese muito boa sobre
estruturas de madeira. Ele esta publi-
cando esse trabalho agora, que é belís-
simo. Recentemente foi executada uma
bela estrutura de madeira no shopping
de Fortaleza, um projeto do engenheiro
Alan Dias. Tem muitas coisas novas, que
as pessoas desconhecem. Mas tem pro-
fissionais que estão trabalhando sobre
esses temas. Eu mesmo, com 93 anos,
ainda estou trabalhando, não desisti de
aprender.
ABECE
De onde vem essa força para
continuar o trabalho, os estudos, e a de-
dicação na área da Engenharia, quando
nós vemos tantas dificuldades no país?
VASCONCELOS
Essa força vem de al-
gum interesse. Nunca essa força é por
interesse de ganhar dinheiro. Não! Quem
quer ganhar dinheiro não vai perder tem-
po em fazer essas elucubrações teóricas.
Quem quer ganhar dinheiro vai fazer ne-
gócios, não tem nada a ver com isso. Mas
quem tem interesse científico fica pen-
sando em desenvolver algo, em ser útil. É
preciso ter um alvo, alguma ideia, algum
interesse. Sem interesse a gente não faz
nada. A gente precisa ter algum interes-
se na vida. Na nossa vida nós passamos
por várias fases. Em minha infância não
cheguei a gostar, por exemplo, de futebol
como as outras crianças.
ABECE
– E quais foram as fases de sua
vida?
VASCONCELOS
Na minha infância, eu
gostava de Tarzan, li todos os livros de
Tarzan, com uma avidez fantástica em
menos de uma semana. Depois comecei
a gostar de música, comecei a aprender
piano, tocava piano, me fascinava, ouvia
a música no rádio e tocava o piano, fi-
quei fanático. Depois entrei para a Enge-
nharia e fiquei fanático pelos problemas
em Engenharia. Modelos, estruturas,
cálculos estruturais, fiquei fanático por
isso. Depois me casei, passei por outras
fases. Em cada fase você tem um ideal,
em cada fase você aproveita esse ideal.
E se não aproveitar naquele momento,
azar o seu. Porque esse ideal não vem
outra vez. Ele depende da sua idade, na-
quele ponto, naquela ocasião. Aproveite
enquanto tem ideias hoje, para não ficar
com o Alzheimer algum dia, no futuro.
Para se prevenir dessa enfermidade
degenerativa, é necessário manter os
neurônios em atividade. Eu, por exem-
plo, leio muito, mas somente leitura não
adianta, pois vem tudo pronto, o melhor
é o jogo do Sudoku, que eu faço todo
dia. Outra coisa que eu faço é consulto-
ria, não é pelo dinheiro, é pela atividade,
para não ficar ocioso, e ficar a par das
coisas que estão surgindo. E estão sur-
gindo muitas coisas novas.
ABECE
– O quê, por exemplo?
VASCONCELOS
Estão surgindo pro-
cessos construtivos, materiais novos, na
construção mesmo. Por exemplo, fiquei
sabendo que existe um material novo
chamado concreto biológico, que foi
desenvolvido pelo micro biólogo Henk
Jonkers e pelo engenheiro Erik Schlan-
gen. Trata-se de um concreto em que se
adiciona um determinado aditivo em seu
preparo, que contém bactérias alcalifíli-
cas. O desafio foi encontrar uma bactéria
que sobrevivesse num ambiente alcalino
(PH alto) como é o caso do concreto. Es-
tas bactérias são encontradas em lagos
na Rússia que também tem PH alto. Na
ocorrência de uma fissura, a entrada de
agua ativa o micro-organismo que induz
a precipitação de carbonato de cálcio
que irá preencher a fissura e prevenin-
do a corrosão das armaduras. A maioria
das fissuras que aparece nas estruturas,
quando não é por erro de cálculo, são
fissuras provocadas pela baixa umidade
relativa do ambiente. Essa bactéria po-
derá preencher esta fissura. Isso é uma
novidade que está surgindo agora. Vou
preparar um artigo sobre isso assim que
tiver mais informações. A maioria dos
engenheiros desconhece isso.
Tem muita
coisa nova.
Eu mesmo,
com 93 anos,
não desisti de
aprender
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