Revista Estrutura - edição 6 - page 52

REVISTA ESTRUTURA
| OUTUBRO • 2018
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lando um prédio. Nós íamos até a tercei-
ra casa para chegar ao cálculo de uma
viga. Se desse um número do qual des-
confiava, fazia tudo de novo. Nós tínha-
mos uma certa sensibilidade para isso.
Refazíamos os cálculos. É claro que hoje
o computador facilitou enormemente o
trabalho. Com ele, eu posso desenvol-
ver vários esquemas e refazer com rapi-
dez o que não está batendo. Por outro
lado, ninguém sabe exatamente o que
está fazendo, pois, o computador até te
dá o desenho pronto. Ele permite fazer
experimentos virtuais: vamos tirar esse
pilar daqui e colocar para lá e ver se
melhora. Isso o computador agrega de-
mais, mas acho que temos de descon-
fiar um pouco dele. Tem até uma empre-
sa que possui um grupo de profissionais
encarregado de checar e verificar se o
que o programa do computador definiu
é realmente o correto.
ABECE – Destaque uma obra desafia-
dora que o senhor participou do pro-
jeto.
MAFFEI –
A obra de nivelamento de dois
edifícios que estavam inclinados em
Santos foi a mais desafiadora. Em um
deles, fizemos umas estacas cavadas
dos dois lados indo até a parte mais só-
lida do solo e, em seguida, fizemos umas
vigas vierendeel ocupando parte do
primeiro andar e também da fundação.
Depois de prontas as vigas, que abraça-
vam os pilares, colocamos macacos para
em seguida cortamos os pilares e com
isso conseguimos renivelar o edifício.
Antes disso tivemos um problema com
o efeito sucção por causa do acúmulo
de água na areia. Tivemos de fazer um
trabalho com a areia para deixar a fun-
dação suspensa e só então renivelar o
edifício que tinha 2,2 graus de desnível.
No outro prédio, que fica atrás do pri-
meiro, como era mais largo e não dava
para fazer as estacas cavadas ao lado do
prédio, optamos por usar estaca raiz. E
aí fizemos outro sistema: cortei os pila-
res e colocamos o macaco auxiliar. A di-
ficuldade era descobrir a carga correta.
Fizemos então o seguinte: pegava cada
pilar e jogava uma determinada carga no
macaco. Se fosse fácil cortar o pilar, sig-
nificava que a carga colocada no macaco
era grande demais. Se fosse difícil cortar
o pilar, significava que a carga colocada
era pequena. A gente acertava a carga,
cortava e colocava o macaco. Repetimos
esse modelo em outros edifícios em
Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul
e no Recife.
ABECE – Quanto tempo demorou a
obra?
MAFFEI –
A obra em si demorou três ou
quatro meses. A preparação e os cálcu-
los, no entanto, demandaram dois anos
de trabalho e diversas reuniões com téc-
nicos, engenheiros e com o síndico do
edifício. É uma obra que tem que pensar
em tudo. Os moradores não tiveram de
sair dos apartamentos. Só saiam quan-
do estava macaqueando, porque tínha-
mos de ouvir algum estalido da estrutu-
ra e pedíamos para que todos saíssem
durante uma hora e depois voltavam.
ABECE – Considerando normas técni-
cas, materiais e outros itens da cons-
trução, o que mais evoluiu? Avança-
mos mais em que?
MAFFEI –
Sem dúvida nenhuma que o
maior avanço foi em materiais. A evolu-
ção ocorrida no concreto foi um negó-
cio fantástico. Você tem hoje concreto
resistente, duráveis, concreto projetado,
evoluiu muito mesmo. Tanto que a pes-
soa que ficar três anos sem participar de
uma obra vai cometer gafe. Os sistemas
de drenagem, de rebaixamento, sistema
de melhoria de solo, tudo isso está em
franca evolução. Os aditivos, é outra área
de grande melhoria. E a gente tem que fi-
car por dentro. De vez em quando, peço a
um pessoal de chumbadora de rocha, vir
aqui fazer uma explanação para a gente
saber das recentes inovações.
ABECE – Qual sua avaliação sobre o
momento atual da engenharia es-
trutural brasileira do ponto de vista
técnico?
MAFFEI –
Poucos profissionais têm con-
dições de fazer projetos de edifícios com
100 andares, mas os poucos que fazem
têm a mesma capacidade técnica dos de
fora do país. Até porque hoje o mundo é
uma aldeia global no que diz respeito a
troca de informações e de conhecimento.
Uma coisa que eu sinto muito é o pessoal
trazer arquitetos de fora, trazer o Cala-
trava, esses caras mais famosos, quando
eu acho que temos arquitetos aqui com a
mesma capacidade e criatividade. O de-
senvolvimento está aqui, mas o nome do
arquiteto é de fora. Eu duvido que não te-
nha arquitetos aqui com capacidade para
desenvolver os projetos. Tem prédios be-
líssimos aqui no Brasil.
ABECE – O que o jovem que pensa em
cursar engenharia deve analisar ao
optar pela carreira?
MAFFEI –
Em qualquer profissão, o que
deve ser considerado é não se deixar
levar por ninguém, por maior que seja
a fama ou o grau da pessoa, que não
apresente um argumento racional e
lógico sobre qualquer tema. Em segun-
do lugar é ser dedicado e ler muito, o
que não é o caso hoje da maioria dos
estudantes. Vou te dizer que muita
gente que hoje trabalha na área de tu-
neis nunca leu um livro sobre o tema.
Se você não tem memória também não
terá um futuro bom. E nesse aspecto,
hoje as coisas estão piorando em razão
do computador, pois ele te dará o re-
sultado da conta a partir das hipóteses
apresentadas. O que precisamos ver é
se essas hipóteses são válidas.
Ao estudante de
engenharia: leia
muito. Estude.
Se dedique e
aprimore sua
memória, pois
quem não tem
memória também
não terá um
futuro bom
NOSSO CRAQUE
| CARLOS EDUARDO MOREIRA MAFFEI
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